Normalmente, o autismo é identificado em torno dos 5 anos. Neste trabalho, eles conseguiram perceber marcadores presentes em bebês de 2 a 6 meses de vida, que mais tarde foram diagnosticados com o transtorno. Quando a criança passa por uma intervenção antes dos 3 anos, há chances de melhora de 80% nos sintomas.
- Existe uma janela de oportunidade devido à plasticidade do cérebro da criança. Com a intervenção precoce, podemos diminuir radicalmente sintomas como a deficiência intelectual, a dificuldade de linguagem e os desafios comportamentais graves que podem tornar o autismo uma condição potencialmente devastadora - defende um dos autores, o brasileiro Ami Klin, diretor do Marcus Autism Center, nos EUA.
Mas o diagnóstico precoce é um dos principais desafios, especialmente no Brasil. Segundo informações do livro “Retratos do Autismo”, lançado pelo governo federal, estima-se que existam 1,1 milhão de autistas no país, menos de 1% da população. Só no Sudeste, são quase 500 mil, e apenas 106 instituições de tratamento, que atendem 3.280 pessoas - seriam necessárias quase 40 mil unidades para atender a todos.
O novo estudo publicado na "Nature" investigou dois grupos de recém-nascidos: um com alto e outro com baixo risco de desenvolver o espectro autista, grupo integrado pelo que antes era conhecido como síndromes de Asperger, de Rett, desintegrativa da infância e o autismo clássico. Como há fatores genéticos relacionados, os recém-nascidos com alto risco tinham algum irmão já diagnosticado com o transtorno, o que aumenta as chances em até 20 vezes.
Do nascimento aos 3 anos
Os participantes foram acompanhados desde o nascimento até os 3 anos por meio da tecnologia de eye tracking (técnica de acompanhamento do movimento ocular), numa versão adaptada para recém-nascidos. A ideia era coletar dados sobre como eles respondiam a estímulos sociais. Aos 3 anos, as crianças passaram por avaliação médica. Aqueles diagnosticados com autismo já mostravam um declínio de atenção para o olhar de outras pessoas desde os dois meses.
- O que nos surpreendeu foi que, embora as mudanças já estivessem em curso, observamos mais capacidade de olhar nos olhos do que esperávamos ver em recém-nascidos depois de diagnosticados com autismo - diz Warren Jones, professor da Universidade de Emory.
Estes resultados não são visíveis a olho nu e requerem tecnologia especializada e medições repetidas ao longo dos meses. Não adianta pais tentarem fazer o teste sem o auxílio do aparato, ressaltam os cientistas:
- E eles não deveriam se preocupar se o recém-nascido não olha nos olhos o tempo todo.
Antes de engatinhar ou andar, os bebês já exploram o mundo intensamente com o olhar: de rostos, corpos e objetos, assim como os olhos de outras pessoas. Um processo que prepara o terreno para o crescimento do cérebro.
- Acho o estudo interessantíssimo, e ele seria ótimo do ponto de vista terapêutico, pois sabemos que quanto antes começarmos as terapias, melhor o resultado. Só temos a ganhar com um diagnóstico precoce - avaliou o professor Universidade da Califórnia, em San Diego (EUA), o brasileiro Alysson Muotri, especialista na área.
Para Muotri, o próximo desafio é baratear o custo do equipamento para garantir o acesso a consultórios pediátricos. Ele ressaltou a participação do pesquisador brasileiro na pesquisa dos Estados Unidos:
- Se houvesse um centro de excelência para estudos no autismo no Brasil poderíamos atrair esses pesquisadores de volta para nosso país, favorecendo nossos pacientes.
O próximo passo é expandir a pesquisa com mais crianças e combinar as medições de eye tracking com exames do desenvolvimento cerebral e expressão gênica.